Santidade do Tempo Quaresmal
Transportemo-nos pelo pensamento ao deserto, onde Jesus passou quarenta dias e quarenta noites. Contemplemo-lO humilhado diante da majestade de Deus seu Pai, prostrado de joelhos, multas vezes até com o rosto em terra, derretendo-Se, ora em adorações, louvores, ações de graças, ora em súplicas para obter de seu Pai misericórdia a favor dos pobres pecadores; e juntando a estas súplicas, feitas com as lágrimas nos olhos, uma incomparável mortificação, pois que, durante estes quarenta dias, não bebe nem come, não tem outra cama senão as pedras e a terra nua, outro abrigo senão a abóbada do céu. Tributemos-Lhe neste estado toda a nossa adoração e admiração, todo o nosso reconhecimento e amor.
Nosso Senhor ensina-no-lo com o Seu exemplo. Ainda que a Sua vida foi sempre eminentemente santa, dá-lhe, durante estes quarenta dias, um caráter exterior de santidade inteiramente especial:
1.º Passa estes dias no retiro; é dizer-nos que os passemos também com um santo recolhimento de espírito, condição necessária para ouvir a Deus no íntimo do coração, estudá-lO e conhecê-lO, amá-lO e gozá-lO; e ao mesmo tempo com um espírito de reflexão, condição não menos necessária para nos conhecermos a nós mesmos, nos emendarmos;
2.° Passa este tempo em oração para nos dizer que sejamos mais exatos nos nossos exercícios de piedade, que oremos mais e com mais fervor;
3.° Sujeita-Se durante este tempo à mortificação mais rigorosa para nos dar a entender que é preciso, durante a Quaresma, conceder menos à sensualidade, ao gosto, ao prazer, aceitar as privações impostas pela Igreja e fazer verdadeira penitência.
É assim que Nosso Senhor, com o Seu exemplo, nos ensina a santidade do tempo quaresmal; e este ensino do Salvador é confirmado pelo da Igreja. Porque, para que são estas pregações mais frequentes, estes exercícios religiosos mais multiplicados; para que são estas privações prescritas, senão para nos dizer que devemos santificar estes dias pela penitência? Oh! Abençoada seja a Igreja por este ensino! No decurso da vida esquecemos tão facilmente a penitência! Temos grande necessidade de sermos chamados cada ano a fazê-la: porque a penitência é-nos indispensável, quer para expiar os nossos pecados passados, quer para evitar as recaídas, a que a nossa fragilidade nos arrastaria infalivelmente.
A todos estes ensinos sobre a obrigação de passar santamente a Quaresma acresce uma razão poderosa, tirada dos augustos mistérios da Paixão e da ressurreição do Salvador, aos quais a Quaresma serve de preparação. Porque o fruto destes mistérios deve ser a morte a nós mesmos, e uma vida nova toda em Deus e para Deus; ora estes mistérios não produzirão este fruto em nós senão santificando verdadeiramente a quaresma. Receberemos a plenitude das graças anexas à sua celebração, se chegarmos bem dispostos ao fim da Quaresma; mas sucederá o contrário, se tivermos a desgraça de passar dias tão santos na distração, na irreflexão e tibieza.
Compreendamos, pois, bem a Santidade deste tempo e a necessidade de o passar melhor que os outros tempos do ano.
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